terça-feira, 10 de junho de 2008

A subjetividade e seu significado na construção do pensamento do Professor (2008)

A subjetividade e seu significado na construção do pensamento do Professor
Delly Danitza Lozano Carvalho

Resumo
Este artigo aborda a questão da construção da identidade e a necessária indissociabilidade entre a subjetividade e a identidade. Essa subjetividade implica num resgate da história pessoal, contrabalanceada com as visões de si e do mundo. De igual forma, a identidade é vista como uma contínua e constante reconstrução subjetiva de si, pelas diversas maneiras pelas quais os indivíduos tentam dar conta de suas trajetórias no intuito de justificar sua posição em um dado momento de sua vida.

Abstract
This article focuses the issue of building and the necessary identity inseparable from the subjectivity and identity. This implies a redemption subjectivity of personal history, merge with visions of themselves and the world. Similarly, the identity is seen as a continuous and constant subjective reconstruction of itself, the various ways in which individuals try to give account of their trajectories in order to justify its position at a given moment of his life.


Sendo a construção da identidade o resultado do confronto entre um percurso biográfico (que cada um carrega) e um contexto de ação empírica (as ações no meio)[1], é importante perceber o quanto e como esse processo se dá na escola, no exercício do trabalho, no desenvolvimento da profissionalidade.
Para Rui Canário, a escola acaba por ser essencialmente um lugar onde os professores mais “aprendem” do que ensinam. Na verdade, o que chamamos de experiência profissional, traduz-se, a partir dessa perspectiva, como um domínio da arte de “ser professor”.
Nessa construção há necessariamente a indissociabilidade entre a subjetividade e a identidade. Essa subjetividade, dona de vários conceitos, dos quais se destacam aqueles que implicam num resgate da história pessoal, contrabalanceada com as visões de si e do mundo.[2] Assim, também a identidade é vista como uma contínua e constante (re) construção subjetiva de si, pelas diversas maneiras pelas quais os indivíduos tentam dar conta de suas trajetórias (familiares, escolares, profissionais) no intuito de justificar sua posição em um dado momento e, às vezes, até mesmo, antecipar seu futuro.
Ora, a visão predominante na formação de professores tem se baseado no pensamento positivista de que a teoria sempre antecede a prática, e esta é apenas um momento de “aplicação” da teoria. Isso implica numa crença de que a teoria é sempre passível de ser transformada em objetivos operacionais e técnicas formativas. Essa visão ‘redutora’, acaba por ser simplista e inadequada, pois na ‘profissão’ professor, os docentes são desafiados a lidar com as características únicas de seu ‘metier’: complexidade, singularidade e incerteza, pois lidam cotidianamente com situações, pessoas e contextos que muitas vezes exigem em maior número uma atividade ‘artesanal’ baseada na improvisação, incomparavelmente maior do que a exigência do saber racional.
À essa dimensão artística e artesanal de sua vocação e profissão, acrescente-se a própria construção (sempre em curso) da identidade, com a parcela indissociável da subjetividade, que convida os professores a serem ‘cobaias de si mesmos’ na construção de seus saberes profissionais.
Há que se destacar que o saber (especialmente o saber profissional) só pode ser construído a partir da experiência. A experiência, por sua vez, para se tornar formadora, deverá passar pelo crivo da reflexão crítica (que, às vezes vai contra a própria experiência). Finalmente, a experiência corresponde a uma construção feita em contexto pelo próprio sujeito que articula e mobiliza lógicas de ação distintas.[3]
A aprendizagem profissional e a construção identitária se sobrepõem em um processo inacabado de permanente elaboração e reelaboração de uma visão de mundo (neste caso, do mundo profissional). A partir daí, entende-se o porquê deve a formação do docente ser centrada na “escola” e não na academia.
Falar em formação profissional implica falar em competências – definidas estas não como qualificações (engano comum) – mas como um saber que se produz em contexto, ou seja, “um não sei o quê, através do qual as qualificações se tornam eficientes e se atualizam em situações de trabalho”.[4] Nesse caso, a acumulação de qualificações (títulos, certificados, diplomas, graus) tende a esvaziar o sentido útil da formação ao sobrevalorizar um (qualificação) em detrimento do outro (competência). Por outro lado, a formação deveria (mas quase sempre não o faz) transformar os professores em profissionais reflexivos e não em trabalhadores “estudantes” (em busca de qualificações).
A configuração e complexidade do horizonte profissional dos professores deveriam levar para o contexto de formação, o caráter coletivo presente na ‘profissão professor’, onde o desenvolvimento organizacional e o desenvolvimento profissional são processos concomitantes. Embora diferentes modelos de formação do tipo magister (o saber está no centro), pedagogo (o aluno está no centro) ou animador (o importante é o desenvolvimento da instituição) possam ter seu papel no (re)pensar a profissão docente, esses modelos também correspondem a distintas formações identitárias – o que, por sua vez, deixa claro que não se pode manter a questão da construção da identidade e subjetividade individual dissociada da formação profissional.
Se defendermos que o problema da mudança nos modelos de configuração identitária e nos modelos de formação docente é, primariamente, um problema de sociabilização profissional, então essa mudança supõe o estabelecimento, no contexto de trabalho, de uma dinâmica formativa.
A partir desses enunciados é possível visualizar um novo ‘professor’, face às modernas transformações sociais e profissionais: ele é um analista simbólico (solucionador de problemas) em contextos marcados pela complexidade e incerteza; um artesão (um reinventor de práticas); um profissional da relação, pois a totalidade da sua ação se expressa, marcadamente, no contato com seus alunos (dessa forma, a natureza de sua atividade se define e se exterioriza tanto pelo que ele sabe, como pelo que ele é); um construtor de sentido (que constrói e ajuda a construir a ‘visão de mundo’).
Enfim, enquanto caminha em sua própria construção identitária, com sua marca inegável de subjetividade, o novo professor é um agente de desenvolvimento ao serviço das pessoas e da organização, sendo (ou tornando-se) capaz de (re)inventar soluções na complexidade e singularidade de seu cotidiano profissional.


Bibliografia (in Rui Canário, 'A Escola: o lugar onde os professores aprendem')
BOURGEOIS, E.; NIZET, J. Apprentissage et formation des adultes. Paris: Presses Universitaires Françaises, 1997.
DEMAILLY, Lise. La qualification ou la competence professionelle des enseignants. Sociologie du Travail, 1, pp. 59-69, 1987.
DUBAR, Claude. La socialisation. Construction des identités professionelles. ParisÇ Armand Collin, 1991.
DUBAR, Claude. (in Canário) Formação, Trabalho e Identidades Profissionais. Porto: Porto Editora, 1997.
DUBET, F. La Sociologie da l’expérience. Paris: Ed. Seuil, 1994.
[1] Segundo Claude Dubar (1991).
[2] Dubar (1998).
[3] Dubet, 1994 e Bourgeois e Nizet, 1997.
[4] Lise Demailly, 1987.
Fonte da Imagem: (www.corpoema.hpg.com.br)
Delly Danitza Lozano Carvalho, mestranda em Psicologia Escolar, UNIFIEO.

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